Últimos dias do Padre Dehon

 

Das lembranças de D. Philippe, escritas em 1952, em alemão, mandadas traduzir para italiano pelo Pe. Lellig ao Pe. Memolo, ao que parece demasiado literalmente, o que torna difícil a sua leitura (pp. 286.296).
O texto é o que se refere à doença e morte do Pe. Dehon, com algumas referências pouco conhecidas e pela própria mão do seu Assistente e amigo D. Philippe.

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Doença do Pe. Fundador. Última missa, 4 de Agosto de 1925

Várias vezes ao longo da narração da vida do Fundador se faz referência, mas pode ser que nem todos saibam que, no mês de Agosto de 1925, durante a Bênção da tarde, fez companhia a um padre, que faleceu pouco depois, Teodoro Michele Lambert, e o ajudou em tudo. Este gesto de bom samaritano, humanamente falando, tinha de ser fatal para o Fundador. De facto, na altura, em Bruxelas, grassava uma epidemia de gastroenterite muito perigosa, que por causa do calor afectava especialmente o aparelho digestivo.
A 4 de Agosto o Pe. Dehon celebrou a última missa. Eu encontrava-me fora, num hospital, a substituir um Padre na celebração da Missa. Depois da oração da manhã e da meditação, arrastou-se até à sacristia para oferecer, como todos os dias, o santo sacrifício da Missa. Caminhava com muita dificuldade, pondo nisso todo o seu empenho. Os presentes tinham notado isso, e ao sair da capela comentaram: “O Pe. Dehon celebrou a sua última Missa”. Palavras que haviam de cumprir-se. Durante mais de cinquenta anos tinha oferecido o santo sacrifício da Missa sempre às sete da manhã com grande devoção e regularidade. Agora, a partir desta última Missa, o Salvador o conduz ao leito dos enfermos, como se quisesse dizer-lhe: “Filho, tu sacrificaste-me, cada dia, com a oferta de toda a tua vida e de todo o teu ser. Agora é o momento de te ofereceres a ti mesmo como vítima e te consumares como vítima do meu Coração”.
Depois da Missa o Padre mal podia caminhar. Tinha 82 anos e 5 meses.

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Os primeiros auxílios

O sacristão, o fiel Ir. José Justen, do noviciado de Clairfontaine e audaz missionário no Congo, mais do que levá-lo a pé, tomou-o nos braços, e levou-o ao seu quarto e deitou-o no leito com grande cuidado. Eu regressei imediatamente e inteirei-me do que se tinha passado.
Rapidamente fui à farmácia próxima e pedi um medicamento dizendo: “O Padre acaba de celebrar a Missa e está aflito com uma terrível vontade de vomitar, temos receio que vomite as Sagradas Espécies.” Acrescentei que o enfermo durante toda a sua vida tinha sofrido de vómitos e que sempre se tinha curado deste mal. Obtive do farmacêutico uma dupla medicação com prescrição de a dar a horas alternadas.
Entrei no quarto e deparei-me com um doente que apenas podia aguentar-se. Pouco a pouco voltaram-lhe as forças e a medicação deu-lhe alívio com um sono reparador. O médico chamado de urgência diagnosticou gripe, mas não sem perigo próximo.
Desde esse mesmo instante, todos os dias, por meio de um bilhete postal, era enviada uma relação pormenorizada a toda a Congregação, a todas as casas, a diferentes personalidades, aos familiares, ao Bispo Grison e a outros. Mantínhamo-los informados sobre o estado e o desenrolar da enfermidade. Era tempo de férias e durante estas os conventos e casas religiosas têm uma adaptação um tanto elástica porque muitos estão ausentes e não se os pode contactar. Foram promovidas orações públicas, mas não existindo um perigo imediato, o próprio Fundador tomou todas as medidas referentes à Congregação.

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Disposições para o Capítulo, 6 de Agosto

No segundo dia da sua enfermidade fez-me chamar junto de si e estando na cama disse-me: “Olhe, nestas condições, este ano não posso dirigir o Capítulo.” Era um Capítulo de assuntos e as eleições já estavam feitas. “Comunique a todos os capitulares em meu nome o que lhe digo: O Capítulo iniciar-se-á aqui em Bruxelas, na minha presença, depois você irá a Lovaina com os capitulares e dirigirá os debates. Para a conclusão que venham todos aqui, comigo, e eu encerrarei solenemente o Capítulo em Bruxelas.”
Certamente o projecto era belo e eu não podia fazer outra coisa senão estar de acordo, prometendo-lhe cumprir tudo com fidelidade.

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Realização de um desejo: um director espiritual para o noviciado de Brugelette

Visitava-o várias vezes ao dia e frequentemente de noite para perguntar se desejava alguma coisa.
Dizia que não. Espantava-me ver com que clareza ainda entendia tudo. Entre outras coisas disse-me (estávamos a falar de uma mudança no noviciado de Bruguelette, noviciado franco-belga na diocese de Tournay): “bem, leve a cabo este projecto e vá ao Provincial dos Jesuítas pedir-lhe um Director Espiritual para o noviciado.” Esta proposta realizei-a com toda a fidelidade e solicitude quase como uma herança do defunto Fundador. Veio ao Noviciado o Pe. Mahiat, que por muitos anos dirigiu os noviços.

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Vinda do Bispo sufragâneo de Paris, D. Chaptal

Deram-se outros acontecimentos. Do Luxemburgo chegou-nos a notícia que D. Chaptal, bispo sufragâneo de Paris, recomendado por D. Nommesch, bispo de Luxemburgo, vinha pedir um capelão para a colónia franco-luxemburguesa de Paris na Rua Lafayette. O Padre ficaria por ali até que a diocese do Luxemburgo tivesse a possibilidade de aceitar este apostolado na grande capital.
Chegou o bispo e expôs-me o seu projecto. Informei imediatamente o Fundador desta visita, naturalmente com a delicadeza que exigia a situação da sua enfermidade. Eu respondi-lhe: “Com um só Padre não se pode começar nada, e se não é possível ter uma comunidade de ao menos três padres em Paris, não se pode levar a cabo este projecto.”
Para mim a coisa era clara. No meu entender era um meio para poder introduzir a Congregação em Paris, porque de outra forma seria quase impossível. Disse-lhe que o Pe. Fundador estava doente e convidei-o a visitá-lo. Levei o ilustre visitante ao quarto do doente, e com toda a gentileza o Fundador recebeu o Bispo. Deixei-os sós e puderam falar trocando opiniões.
O Bispo Chaptal era uma vocação tardia. Procedia da diplomacia da sua pátria. Tinha sido secretário do embaixador de São Petersburgo e estudado depois teologia no seminário de São Sulpício de Paris.
Como me disse mais tarde, era um fiel seguidor do movimento social e, durante as férias, tinha frequentado regularmente o curso que o Pe. Dehon e Sr. Harmel tinham em Val-de-Bois para seminaristas e sacerdotes.
Admirava a meditação da manhã através a exposição do Evangelho como só o Pe. Dehon sabia fazer.

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A visita dos padres polacos: Stoszko e Maijka

Outro acontecimento vivido nestes dias, querido e belo como um idílio, é a visita dos primeiros religiosos polacos. Estudavam teologia na Universidade de Estrasburgo e estavam a caminho a Lovai
na. Contei-lhes brevemente a enfermidade do venerado Pe. Dehon e disse-lhes: “E agora, vamos fazer-lhe uma visita.” Acompanhei-os até ao quarto e um doce sorriso iluminou o rosto do ancião enfermo. Viu nestes dois jovens filhos espirituais as primícias que deviam implantar a Congregação na sua pátria católica.
Eram eles o Padre Stoszko e o mais velho Pe. Estanislau Maijka. Abençoou-os e a bênção do padre passou para os seus filhos. Estou convencido de que esta bênção trouxe muitas graças à fundação polaca e, apesar de todas as perseguições, a mantém ainda que em condições penosas, unida à Congregação. (estamos em 1952).

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O onomástico do seu Assistente, 10 de Agosto

Durante toda a sua vida o Pe. Fundador esteve sempre muito atento, em todas as circunstâncias, a proporcionar uma alegria, e com este motivo convidava pessoalmente todos os anos as casas vizinhas para o aniversário onomástico do Pe. Assistente Lourenço Philippe. E, como estava doente, perguntei-lhe que se podia fazer, e respondeu: “Celebre a festa como todos os anos”.
A 10 de Agosto, reuniram-se todos os padres mais idosos da Bélgica e França. Celebrámos o onomástico com ânimo triste mas sereno. Nesses dias o Pe. Dehon sabia proferir palavras verdadeiramente afectuosas, que lhe saíam do coração. Era um mestre em unir as relações recíprocas, ou como disse Goethe, as afinidades por eleição.
Todos os anos sabia apresentar São Lourenço como Padroeiro do Assistente. Seja a grelha com as brasas, seja a fidelidade do diácono para com o seu senhor o Papa São Sixto, eram sempre palavras sinceras, cheias de afecto. Isto não faltou este ano. Manifestou também as suas felicitações pessoais, e deu ao filho festejado, como sempre costumava fazê-lo, uma importante quantia de dinheiro, dado que não tivera tempo de o levar ao Irmão Justen, para enfeitar a mesa na qual se colocavam os ornamentos sagrados e enfeitar a sacristia como tanto desejava o Pe. Dehon. Costumava repetir ao Irmão Justen, regressado de Roma, depois da primeira guerra mundial: “Teremos uma formosa capela e uma bela sacristia.”

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Os médicos assistentes, 7 de Agosto

Ao terceiro dia, ainda que a evolução da enfermidade não desse motivos de apreensão, pedi ao médico que o atendia que consultasse outro médico, para atenuar diante do público e da Congregação, como fiz notar, a minha responsabilidade. Prometeu-me e veio com um médico que tinha trabalhado muito tempo no Congo. Apesar de não ser praticante, estimava os missionários e, de modo especial o nosso sacristão o fiel Irmão Justen, que sofria de uma doença crónica, e de quem dizia: “ Todo ele é coragem”. Era particularmente especializado em medicina interna, pelo que podia melhor tratar do enfermo. Os médicos descobriram no seu paciente uma tuberculose há já muito tempo cicatrizada, e isto fez-nos pensar na doença grave de 1878, quando a vida do Fundador esteve em grande perigo.

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Uma crise superada com dificuldade

Durante a enfermidade, uma vez, de noite, veio ter comigo o Irmão que o velava, o querido Irmão Jerónimo Van Vliet, holandês, e disse-me: “Venha depressa!”
De facto o Fundador estava cada vez mais sensível e fraco. Fez-se levantar um pouco para encontrar algum descanso, mas quando foi posto na cama sobreveio-lhe asfixia por falta de respiração. Procurou, pouco a pouco, tomar forças, mas tardou mais do que nas outras ocasiões, o que me preocupou porque, evidentemente, cada vez se ia debilitando o coração.

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A sua santa morte. A última confissão

De facto assim foi: Pouco depois, ao visitá-lo pela manhã, o enfermo disse-me: “Por favor, sente-se. Quero confessar-me”. Isto era algo novo. De facto o Fundador com a regularidade de um relógio, todos os sábados, às nove, ia aos Sacramentinos, aos filhos do Pe. Eymard, para fazer a sua confissão semanal. À proposta de chamar o seu confessor, disse: “Não, confesso-me a si”. E fez a sua confissão ao Assistente.
Assim iam passando os dias e as noites alternando entre a apreensão e a calma.

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O mal agrava-se

Os padres vindos para celebrar o onomástico ficavam felizes por visitá-lo, um a um. Reconheceu a todos e para todos teve uma palavra boa e afectuosa. Os médicos diagnosticaram que, dificilmente, restava alguma esperança e o especialista observou: “Em conclusão, morre curado!” Queria dizer que a inflamação intestinal tinha passado, mas que o coração estava a falhar. Estávamos todos preocupados, e às três da tarde, chegou o momento de administrar os Santos Sacramentos ao doente grave, que conservou a plena lucidez durante todo o dia. Reuniu-se toda a comunidade, Irmãos e Padres, todos estavam presentes. Entrámos no quarto do enfermo. Disse-lhe que queríamos administrar-lhe os últimos Sacramentos. Com breves palavras exortei-o a cumprir a vontade de Deus.

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Os últimos sacramentos

Antes de começar o sagrado acto disse-lhe: “Quer, talvez, pedir perdão diante de todos?” Então ele disse estas simples palavras, que lhe saíam do coração: “Sim, comprometi a Obra com as minhas culpas e imprudência. Mas não tenho medo; o Coração de Jesus é tão bom …” Era a humildade, a humildade mais profunda unida a uma confiança inabalável, esta confiança que nunca o abandonou, não somente durante a enfermidade, mas que o foi animando durante toda a sua vida. Se a Congregação existe, pode existir e existirá, não é senão pela confiança no divino Coração. Este é o testamento do Fundador para as futuras gerações. Deu-se início à liturgia, mas antes convidei a todos os meus confrades a pedir perdão de todas as faltas tanto na vida religiosa como contra a sua pessoa. Ele deu-nos a sua bênção paterna. A liturgia chegava ao seu fim. O Assistente administrou a Unção sagrada e depois a indulgência plenária in articulo mortis, acompanhada do acto de aceitação humilde e confiante da vontade de Deus.

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Visita dos familiares

Um pouco mais tarde chegaram os seus familiares, foram levados à presença do doente e causaram-lhe uma alegria visível. Aproximaram-se dele com sincero respeito e chamaram-lhe singelamente “nosso santo tio”. Junto dele velava o Pe. Kanters, holandês mas que sempre tinha vivido na França, e que por muito tempo tinha sido pároco na diocese de Tournay e portanto prático nos cuidados pastorais. Entregou à sobrinha do Pe. Dehon um copo e ela deu-o a beber a seu tio. Esta foi uma alegria, era o último acto da família para com o seu parente, o último descendente de uma família distinta.

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Uma lembrança: o onomástico de uma alma vítima

Terminado o rito sagrado voltou-se para mim e disse-me: “Clara Baume”. Eu não entendia, porque nada s
abia deste nome e desta pessoa. Isto é uma prova que mostra com que discrição e com que santo temor ele tratava a correspondência de alma a alma e as relações com todos os religiosos da Congregação. Um padre que estava ao corrente disse-me: “É uma alma vítima, que vive na França meridional e se chama Clara. O Fundador queria dizer que felicitasse em seu nome esta pessoa no dia do seu onomástico”. Fi-lo imediatamente. Esta grande alma tinha sido atormentada na sua juventude. De pais abastados, juntamente com a sua irmã Berta, viu-se com falta de dinheiro devido a grandes revezes do seu património e por fim conheceu os apertos da pobreza.
Na sua juventude, uma monja lhe disse: “Só há uma pessoa que pode ajudar e encontra-se na Holanda”. Com a permissão dos seus superiores o Pe. André Prèvot, que percebia destas coisas, aceitou a direcção desta alma e guiou-a pela vida do sacrifício, escrevendo sempre nas suas cartas: “Querida alma”. Depois da sua morte, O Pe. Fundador assumiu a sua direcção, e morto este, eu quis continuar com esta herança, até que a nova chamada para bispo de Luxemburgo me separou dela. Estas almas vítimas, que vivem desconhecidas no mundo, que não são nem nomeadas, têm sido o segredo que assegura o êxito dos Sacerdotes do Coração de Jesus. São a reserva ou o capital de reserva da florescente Congregação. Na Casa Geral existia a correspondência com Clara Baum.
O Pe. Holandês, Gerardo Frey, insistiu comigo para que lhe cedesse esses documentos preciosos para escrever a vida do Pe. André. Apesar das minhas graves dúvidas, confiei-lhos. Nem se sentiu na obrigação de informar-me onde foram parar.
(Nota do tradutor: Hoje encontram-se no arquivo da Postulação, entre a documentação da Causa do Pe. André Prèvot).

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Os últimos instantes, 12 de Agosto

Chegou o dia derradeiro. Era quarta-feira¬¬¬¬, tal como terça-feira dia 4, fora o da sua última Missa. Falava frequentemente da morte e costumava dizer quando ouvia falar da agonia: “A coisa mais bela é adoecer durante três dias: No primeiro a pessoa põe em ordem todos os assuntos, confessa-se, recebe os últimos sacramentos e no terceiro parte para o bom Deus”. Pode-se dizer que, mais ou menos, foi o que se passou com ele. O ecónomo geral foi informado, assim como o procurador geral, o Pe. Octávio Gasparri, que chegou de Roma e trouxe uma bênção especial do Santo Padre para o enfermo grave. Por volta das dez horas fui junto do Pe. Fundador e disse-lhe: “Permita que vá com o Pe. Falleur ao banco para regularizar vários assuntos”. (O Pe. Falleur era o ecónomo geral). Conseguimos mudar quanto estava no nome pessoal do Pe. Dehon. Regressados a casa demo-nos conta de que tinha chegado o último momento.
Reunimo-nos para a oração pelos agonizantes e, entretanto, chegaram os familiares do Pe. Dehon.
Recitámos juntos as orações pelos moribundos. Ele pôde acompanhar tudo e estava em perfeita tranquilidade, até que pelas 12,10 deixou de respirar sem agonia.
Era o final de uma vida de trabalho e sacrifício.

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As honras fúnebres. Preparativos para o funeral, 17 de Agosto

A notícia do falecimento do Fundador difundiu-se por toda a parte. Ele mesmo, quando ainda estava vivo, falando no recreio, quando se fazia referência à morte, à pergunta “onde queria ser sepultado?” tinha respondido: “Oh, em São Quintino, junto dos nossos Padres!”
Por isso nesse ponto estávamos todos de acordo. Sendo a Assunção de Maria e o Domingo transferido, a Missa solene de defuntos não podia ser celebrada em Bruxelas antes de Terça-feira, dia 17 de Agosto.
Os seus familiares estavam presentes: a sobrinha com o marido e os três filhos, Henrique, João (que era o benjamim do Fundador) e Roberto. Na outra parte da capela ajoelharam-se os membros do conselho geral. No coro estava Sua Excelência D. Clemente Micara, núncio apostólico, o bispo Grison que tinha chegado à pressa e D. Demont, prefeito apostólico de Gariep (África do Sul).

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D. Grison junto do féretro

Quando D. Grison regressou de férias, eu tive oportunidade de assistir a uma cena inesquecível.
Antes de se ir embora teve uma última discussão com o Fundador sobre a questão sempre escabrosa do dinheiro para as missões. Depois o Bispo partiu. Todos os dias era informado, como se disse atrás, sobre o estado da doença do Pe. Dehon. Ao chegar, entrando comigo na câmara ardente, e vendo-o no ataúde, caiu de joelhos chorando como uma criança e eu disse-lhe: “Olhe, isto é para si a recordação do Fundador”. Sobre o crucifixo estava gravado: “Fortis ut mors est dilectio” que quer dizer: “O amor é forte como a morte”. Mais tarde o bispo escreveu-me do Congo: “Você sabia muito bem do que eu tinha necessidade quando me deu o crucifixo.”
A Superiora Geral das Servas do Coração de Jesus tinha oferecido a cada Padre um crucifixo igual na primeira profissão perpétua…

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Piedade filial

Posso ainda acrescentar: o Pe. Morel, filho fiel da Congregação e eu tínhamos prestado as últimas honras ao Fundador. Ficámos assombrados: Das suas coxas não restavam mais que pele e osso, nada de musculatura. E assim, naquele homem que, dia a dia, ia e vinha, subia e descia as escadas, se arrastava passeando…, compreendemos o martírio de uma vítima do Sagrado Coração.

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A Missa do funeral

A capela encheu-se para os funerais solenes. De todas as partes tinham acudido apressadamente os filhos espirituais do Fundador. O mais ancião e primeiro noviço, Pe. Eugénio Paris presidiu à Missa de Requiem. As orações litúrgicas foram cantadas na perfeição pelos estudantes do Escolasticado. Os noviços de Brugelette estavam todos presentes. Durante a Missa não houve pregação; depois o Assistente reuniu todos os presentes no pátio interno da casa e teve lugar ao ar livre um largo discurso para todos aqueles que estavam de luto pondo em relevo os méritos do Fundador.

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A comitiva parte para São Quintino

Na tarde do dia 17 de Agosto houve mais um momento solene. Reuniram-se todos na capela onde o bispo, D. Grison, deu a última bênção. Depois a dupla urna foi levada para fora e transportada para a estação Sul de Bruxelas. Seguiram-na os padres mais velhos da Congregação em vários carros. À tarde do mesmo dia aproximou-se de mim um conhecido Padre do Conselho Geral e disse-me: “Congratulamo-nos consigo por tudo quanto fez; tudo foi realizado de modo distinto e belo, calmo e comovedor”.

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No Colégio São João de São Quintino

Depois dirigimo-nos para São Quintino. O centro de gravidade da Congregação, por poucos dias, havia-se estabelecido naquela cidade. São João, ao qual estava tão vinculado o Pe. Fundador, acolheu-o defunto e rodearam-no os seus alunos mais fiéis, tanto sacerdotes como leigos. O
mais fiel de todos, Octávio Leduc, aproximou-se e disse-me: “Você sabe que tudo quanto se disse contra ele não passa de vil calúnia”. Mesmo assim, alguns faltaram e notou-se a sua ausência. Eram aqueles a quem o Pe. Dehon tinha dado tudo: estudos, continuação nos mesmos e que lhe eram devedores do seu porvir, da sua vocação. Assim quis o Salvador uni-lo a Si: “omnes fugerunt”. Também o Fundador na sua vida teve de viver frequentemente esta dor.
No dia 12 de Agosto o Pe. Dehon não foi sozinho para a eternidade. Em Blaugies, na Bélgica, no mesmo dia falecia o Pe. Matias Legrand, fundador de São Clemente e coluna da Congregação. Também em Sittard apagou-se o Pe. Suitberto Erlemann. O Bispo de Soissons comoveu-se, quando lhe dei a notícia.

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Na Basílica de São Quintino

Inesquecível havia de ficar a cena da entrada na Basílica arruinada pela primeira guerra mundial, este monumento gótico tardio, que domina São Quintino e se vê de muitos quilómetros de distância.
Quantas vezes quando jovem, estando em São Clemente, eu ouvia ao entardecer, o som maravilhoso dos sinos de São Quintino! Hoje estão silenciados por terem sido fundidos durante a guerra. Só era possível celebrar as cerimónias sagradas numa nave lateral.

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D. Binet assiste aos funerais e faz o elogio fúnebre

O bispo de Soissons, D. Henrique Binet, prestou ao Fundador todas as honras.
Era, como dizia, o ornamento da sua diocese. “Uma pena sempre comprometida caiu de improviso das mãos”. Assim começou o elogio fúnebre, que foi recolhido por La Semaine Religieuse de Soissons.
Ao meio-dia voltámos a reunir-nos para almoçar no Colégio São João. Estavam todos unidos, sacerdotes seculares e Sacerdotes do Coração de Jesus, leigos e clero. Depois da oração de acção de graças o Bispo disse: “Estivemos tão felizes e tão unidos juntos; outra coisa não desejo senão que esta união perdure.”
O Assistente geral, sobre quem pesava toda a responsabilidade e o ónus destes dias, prestando homenagem ao Príncipe da Igreja, agradeceu e disse-lhe que sim.
Depois veio a dura realidade, a vida aperta-nos entre as suas garras, e há que cumprir com os próprios deveres.

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A última morada

Assim, pois, o Pe. Dehon repousa em São Quintino, na sua cidade preferida, à espera da ressurreição.

 

Tradução: José David Quintal Vieira, scj

 

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