Mãos à obra

Um desafio que se levanta aos consagrados é o de, em consonância com a sua forte dimensão profética, entregar livre e generosamente as suas vidas para cuidar e defender os territórios das populações, a água, a alimentação de qualidade, o património cultural e familiar…

O primeiro passo é acreditar que eu – cada um de nós – posso fazer alguma coisa. Não posso enterrar a cabeça na areia. Pelo contrário, estou pessoalmente implicado e esta problemática ecológica convoca-me e questiona-me a mim directamente. Não se trata de um problema que deva ser resolvido apenas por grandes instituições, governos e ONGs. Eu posso fazer algo, pois «é tanto o que se pode fazer» (LS 180). Neste sentido, o papa Francisco dá conta que, «enquanto a ordem mundial existente se revela impotente para assumir responsabilidades, a instância local pode fazer a diferença. Com efeito, aqui é possível gerar uma maior responsabilidade, um forte sentido de comunidade, uma especial capacidade de solicitude e uma criatividade mais generosa, um amor apaixonado pela própria terra, tal como se pensa naquilo que se deixa aos filhos e netos» (LS 179). É muito importante ter em conta que a instância local, no caso da Vida Consagrada, remete directamente para as várias comunidades religiosas, espalhadas pelos mais recônditos lugares do nosso planeta, e que se constituem assim como espaços altamente qualificados para responder ao apelo do papa argentino.

É o filósofo francês Jean-Pierre Dupuy quem tem chamado a atenção para o «orgulho metafísico», que é o resultado dessa grave ambiguidade de não darmos crédito à informação que temos e, ao mesmo tempo, pensarmos que a ciência e a técnica hão-de encontrar solução para todos os problemas que nos afectam. Temos vivido num estado de anestesia geral que nos tem mantido adormecidos ou distraídos. O nosso desinteresse e indiferença são manifestamente irresponsáveis. Parece até que estamos à espera de um tal messias (no caso português, será mais um D. Sebastião), que venha resolver-nos os problemas que nós próprios criamos.

O orgulho metafísico conduz à convicção que não há verdadeiramente necessidade de nos preocuparmos. Se o queremos vencer, então temos de dar crédito às informações de que dispomos e temos de convencer-nos que cada um de nós pode realmente fazer a diferença: cada um de nós pode transformar a sua maneira de pensar, mas também os seus actos quotidianos. Só assim poderemos habitar o mundo de uma maneira ecologicamente amigável.

Ajuda pensar que «nem tudo está perdido, porque os seres humanos, capazes de tocar o fundo da degradação, podem também superar-se, voltar a escolher o bem e regenerar-se, para além de qualquer condicionalismo psicológico e social que lhes seja imposto. São capazes de se olhar para si mesmos com honestidade, exteriorizar o próprio pesar e encetar caminhos novos rumo à verdadeira liberdade» (LS 205).

José Domingos Ferreira, scj

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