Joseph Famerée, scj
Querer reparar a falta de amor dos outros é generoso, mas não está ao alcance do ser humano. Só Cristo pode renovar a natureza humana ou toda a humanidade e reconciliá-la com Deus seu Pai, reconciliá-la, ou seja, fazê-la beneficiar do perdão ou da misericórdia de Deus e transfigurá-la para uma nova vida de ressuscitados ou de filhos e filhas adotivos de Deus em Cristo Jesus.
A reparação só pode ser acolhida como dom de Deus em Cristo, como participação na obra graciosa de redenção e de salvação de Cristo, realizada de uma vez por todas no mistério pascal, mas cujos efeitos nunca deixam de se manifestar no Espírito Santo até ao fim dos tempos. A reparação assume aqui um significado mais autenticamente crístico: o seu objeto é toda a humanidade (ferida, necessitada de redenção e de salvação), e ainda mais amplamente o cosmos, toda a criação, que “ainda geme e sofre as dores de parto” (Rom 8,22).
Qualquer obra que trabalha para a unidade (reconciliação) da humanidade (e do cosmos) é uma obra reparadora. Este é eminentemente o caso do ecumenismo, que trabalha mais especificamente para a reconciliação entre os cristãos separados ou divididos.
O ecumenismo é por excelência acolhimento do Espírito, resposta ao amor de Cristo por nós, comunhão com o seu amor ao Pai e cooperação na sua obra de redenção da humanidade e do cosmos, e mais especificamente uma restauração (reparação) da unidade entre todos os cristãos separados. De facto, a divisão dos cristãos opõe-se abertamente à vontade de Cristo (Sint unum), é objeto de escândalo para o mundo e impede que a pregação do Evangelho seja credível e relevante aos olhos do mundo (Unitatis Redintegratio 1).
A Igreja Católica, no Concílio Vaticano II, reconhece, reparando assim uma injustiça e um erro, que o movimento ecuménico, que surgiu fora dela e sem ela, nasceu sob a ação do Espírito (UR 1). A Igreja Católica não só reconhece que existem erros comuns nas divisões entre os cristãos, mas também valoriza tudo o que é autenticamente cristão nas outras Igrejas (UR 3).
A restauração ou reparação da Unidade cristã, como tarefa ecuménica, diz respeito a todas as dimensões fundamentais da vida dos cristãos e das Igrejas: a dimensão espiritual, a dimensão intelectual ou doutrinal e a dimensão prática e ética.
O ecumenismo espiritual é o ecumenismo da oração pela unidade: cristãos (separados) de diferentes tradições voltam-se juntos para Cristo, escutando o Espírito Santo, convencidos de que só Cristo nos pode dar a unidade visível de todas as Igrejas, quando Ele quer e pelos meios que Ele quer. Esta oração comum pela unidade é também uma oração pela conversão ou renovação espiritual de cada cristão e de cada Igreja (UR 6-8).
Se esta escuta do Espírito e a oração conjunta a Cristo, o único Salvador, são a fonte, a “alma” permanente da restauração ou reparação contínua da unidade dos cristãos e das Igrejas, suscitando primeiramente a conversão (reparadora) das pessoas e das comunidades, também é verdade para toda a obra cristã de reparação. Podemos juntar a este ecumenismo espiritual, um ecumenismo de tipo existencial, onde os cristãos das Igrejas separadas aprendem a encontrar-se, a conhecer-se de uma forma justa, e deste modo superar toda uma série de preconceitos. Este ecumenismo de encontro interpessoal honesto faz muito para reparar a unidade.
O ecumenismo doutrinal (ou teológico) responde à dimensão intelectual do ser humano. Não sendo suficiente, este ecumenismo é, no entanto, indispensável (UR 9-10). A reparação da unidade implica necessariamente uma reflexão crítica sobre as divisões doutrinais (teológicas): as diferenças doutrinais são diferenças separadoras ou diferenças legítimas? Como é que as diferenças aparentemente separadoras podem tornar-se legítimas? É possível e aceitável um consenso diferenciado sobre este ou aquele ponto da doutrina? Por outras palavras, a reparação da unidade, longe da uniformidade, não será o reconhecimento ou a busca da unidade numa diversidade que é experimentada como legítima? Na mesma linha, os católicos “lembrem-se que existe uma ordem ou «hierarquia» das verdades da doutrina católica, já que o nexo delas com o fundamento da fé cristã é diferente” (UR 11).
É salutar, e neste sentido reparador, para a própria fé católica, não colocar no mesmo patamar todas as verdades da doutrina católica, mas reconhecer que algumas verdades são mais centrais e fundamentais do que outras, tais como os dogmas trinitários e cristológicos. Esta hierarquia interna da doutrina católica contribui para tornar possível esse tal consenso diferenciado entre as doutrinas das diferentes Igrejas cristãs. De facto, partindo dos consensos doutrinais tidos como fundamentais entre as Igrejas, somos levados, em muitos casos, a considerar certas divergências aparentes. Isto mostra como o ecumenismo doutrinal ou teológico contribui para uma reconciliação ou reparação da unidade profunda e duradoura.
O ecumenismo prático ou ético tem por objectivo a colaboração de todos os cristãos no serviço da justiça e da paz no mundo. De facto, a ação comum dos cristãos ao serviço das grandes causas da humanidade e do cosmos fez também muito para aproximar os cristãos e o seu testemunho comum no mundo, apesar de ainda existirem divergências dogmáticas ou éticas. Por outras palavras, o ideal seria que este compromisso comum dos cristãos para o bem da humanidade e do cosmos fosse inseparável de uma reflexão ética fundamental comum dos cristãos.
Por um lado, a ação pressupõe a reflexão; por outro, a ação na sua especificidade é insubstituível: ela compromete de modo concreto a liberdade, implica toda a existência. Esta é a diferença entre teoria e prática, entre o pensamento e a decisão individual ou comunitária. A prática é concretamente transformadora. Daí o carácter próprio e indispensável do ecumenismo na ação comum dos cristãos pela unidade, a justiça e a paz. Onde o ecumenismo doutrinal pensa a unidade dos cristãos, o ecumenismo prático pode concretizá-la, ou pelo menos tomar decisões sobre os passos ou as etapas para a sua realização, sem esquecer que a unidade que aqui se pretende, para além da das Igrejas, é a do mundo e até mesmo a de toda a criação.
Vemos assim, que o ecumenismo, nas suas três dimensões inseparáveis, é um laboratório extraordinário de toda a reparação holística (espiritual, intelectual, prática): laboratório da unidade de todos os seres humanos a partir da experiência das divisões cristãs e das tentativas de as superar no Espírito de Cristo, laboratório do diálogo intelectual entre os seres humanos, laboratório da luta contra o mal, a injustiça e a divisão…
Joseph Famerée, scj