Dia Provincial da Justiça e Paz

A Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus celebra hoje, dia 15 de Maio, o Dia Provincial da Justiça e Paz, nesta data em que se celebra o aniversário da publicação da Carta Encíclica Rerum Novarum (1891), do Papa Leão XIII, considerada o primeiro grande documento da Doutrina Social da Igreja.

A Comissão Provincial para a Justiça e Paz e Integridade da Criação preparou uma reflexão para este dia, baseada na mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial da Paz deste ano 2019 e noutros documentos do Magistério e do nosso Fundador. Que esta reflexão nos ajude a renovar o nosso compromisso na construção de um mundo melhor, mais de acordo com os princípios e valores que o Senhor nos lega no Evangelho.

Pe. José Agostinho Sousa

 

Reflexão da Comissão Provincial para a Justiça e Paz e Integridade da Criação

Caros Confrades,

No próximo dia 15 de maio celebramos o Dia Provincial Justiça e Paz. Assim, no sentido de prepararmos este dia nas nossas comunidades, paróquias ou outros lugares de apostolado, a Comissão Provincial Justiça e Paz e Integridade da Criação propõe-vos uma reflexão a partir da mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial da Paz intitulada “A Boa Política ao serviço da Paz”.

2019 representa um ano de vários atos eleitorais a que não podemos ser alheios: Eleições para o Parlamento Nacional e Europeu bem como para a Assembleia Legislativa da Madeira. Em setembro de 2019 passam 80 anos do início da II Guerra Mundial. Estes e outros acontecimentos exigem de cada um de nós uma reflexão que nos inspire na construção duma cidade digna do homem em especial na promoção do Bem-Comum que o Papa Emérito Bento XVI definiu como sendo o “bem daquele «nós-todos», formado por indivíduos, famílias e grupos intermédios que se unem em comunidade social. Não é um bem procurado por si mesmo, mas para as pessoas que fazem parte da comunidade social e que, só nela, podem realmente e com maior eficácia obter o próprio bem. Querer o bem comum e trabalhar por ele é exigência de justiça e de caridade”. A este propósito, Francisco é claro: “A política, tão denegrida, é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas da caridade, porque busca o bem comum”.

Na senda dos seus antecessores, o Papa Francisco, em vários momentos do seu pontificado, tem deixado reptos e alertas quanto à importância da participação dos Católicos na política. No Catecismo Social, o nosso Fundador é claro quanto à liberdade dos crentes na sua escolha política. Diz ele no número 54: “Acerca da liberdade civil e política dos povos, a Igreja sempre a favoreceu e protegeu. A história atesta-o. Basta recordarmo-nos da escravatura, essa antiga vergonha das nações pagãs, que os esforços e a intervenção da Igreja fizeram desaparecer. A Igreja opôs-se sempre à tirania e à violência, sob quaisquer formas que se tivessem apresentado”. A Igreja defendeu e promoveu sempre o caminho da Paz. “Oferecer a paz está no coração da missão dos discípulos de Cristo”, escreve o Papa, adiantando que “A paz parece-se com a esperança de que fala o poeta Carlos Péguy; é como uma flor frágil, que procura desabrochar por entre as pedras da violência”.

Quer o nosso Fundador, em pleno século XIX, quer o Papa Francisco, em pelo século XXI, denotam uma grande preocupação quanto à violência e à paz e estão convencidos que a boa política só se consegue se estiver ao serviço da paz e contra a violência pois, como é clarificado pelo Pontífice, “A política é um meio fundamental para construir a cidadania e as obras do homem, mas, quando aqueles que a exercem não a vivem como serviço à coletividade humana, pode tornar-se instrumento de opressão, marginalização e até destruição”. Na mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2017, o Santo Padre é taxativo quando afirma: “Sejam a caridade e a não-violência a guiar o modo como nos tratamos uns aos outros nas relações interpessoais, sociais e internacionais. Quando sabem resistir à tentação da vingança, as vítimas da violência podem ser os protagonistas mais credíveis de processos não-violentos de construção da paz. Desde o nível local e diário até ao nível da ordem mundial, possa a não-violência tornar-se o estilo caraterístico das nossas decisões, dos nossos relacionamentos, das nossas ações, da política em todas as suas formas”.

Estamos em pleno ano eleitoral. Num recente documento da Comissão Teológica internacional, um organismo da Congregação para a Doutrina da Fé, somos alertados para os perigos que a política contemporânea enfrenta nomeadamente quando ignora a dimensão social da religião. “A alegada neutralidade ideológica de uma cultura política que se pretende construir sobre a formação de regras puramente processuais de justiça, removendo qualquer justificação ética e toda a inspiração religiosa, mostra a tendência de elaborar uma ideologia de neutralidade que, de facto, impõe a marginalização, quando não exclusão, das expressões religiosas na esfera pública”. Na contemporaneidade, a política está assente em pressupostos muito frágeis que o Papa Francisco não tem medo de denunciar. Vivemos tempos em que a secularização e o laicismo feroz de algumas sociedades e consequentemente dos estados querem romper com tudo o que de espiritual existe. Aqui recorreremos a Foucault que, numa troca de correspondência com Claude Mauriac, lhe pergunta que resultados terá a política sem a espiritualidade.  A resposta foi dada por Francisco, que em vários lugares tem apontado a abertura à transcendência como caminho de realização de uma verdadeira ação política. Na Exortação Apostólica “Evangelium Gaudium”, Francisco deixa o alerta: “E porque não acudirem a Deus pedindo-lhe que inspire os seus planos? Estou convencido de que, a partir duma abertura à transcendência, poder-se-ia formar uma nova mentalidade política”. A privatização do fenómeno religioso nota-se, em primeira instância, na dificuldade que as religiões vão tendo cada vez mais na sua afirmação no espaço público e na defesa de valores tão importantes como seja a justiça e a paz.  Na carta encíclica “Laudato Si”, diz-nos o Papa: “Exige-se da política uma maior atenção para prevenir e resolver as causas que podem dar origem a novos conflitos”. Encontramos novamente nas palavras do Papa, na mensagem para o Dia Mundial da Paz 2019, algumas indicações de como evitar novos conflitos. Diz-nos Francisco: “a paz é fruto dum grande projeto político, que se baseia na responsabilidade mútua e na interdependência dos seres humanos. Mas é também um desafio que requer ser abraçado dia após dia. A paz é uma conversão do coração e da alma, sendo fácil reconhecer três dimensões indissociáveis desta paz interior e comunitária:

– a paz consigo mesmo, rejeitando a intransigência, a ira e a impaciência e – como aconselhava São Francisco de Sales – cultivando «um pouco de doçura para consigo mesmo», a fim de oferecer «um pouco de doçura aos outros»;

– a paz com o outro: o familiar, o amigo, o estrangeiro, o pobre, o atribulado…, tendo a ousadia do encontro, para ouvir a mensagem que traz consigo;

– a paz com a criação, descobrindo a grandeza do dom de Deus e a parte de responsabilidade que compete a cada um de nós, como habitante deste mundo, cidadão e ator do futuro”.

Nesse sentido, para garantir a paz há que fazer opções políticas fortes que garantam, como já indicámos, a execução do Bem-Comum e da dignidade de toda a pessoa, sem esquecer a solidariedade e a subsidiariedade. Na recente carta pastoral “Um olhar sobre Portugal e a Europa à luz da doutrina social da Igreja”, os nossos Bispos confirmam isto mesmo dizendo que “deve ser o critério do bem comum, mais do que o do interesse individual ou do grupo/partido de pertença, a guiar as opções políticas de cada cidadão”.

Outro ponto que julgamos ser útil nesta reflexão é a consciência. Segundo o Papa Emérito Bento XVI, “A qualidade da vida social e civil, a qualidade da democracia dependem em grande parte deste ponto «crítico» que é a consciência, de como a mesma é entendida e de quanto se investe na sua formação. Se a consciência se reduz, segundo o pensamento moderno predominante, ao âmbito da subjetividade, para o qual se relegam a religião e a moral, a crise do Ocidente não tem remédio e a Europa está destinada à involução”. Somos chamados a formar as consciências dos nossos irmãos e irmãs de forma a que problemas tão sérios e perigosos possam ser ultrapassados e vencidos. Um ponto salientado por Francisco na mensagem para o Dia Mundial da Paz 2019 é o dos vícios da política, dos quais salientamos “a corrupção – nas suas múltiplas formas de apropriação indevida dos bens públicos ou de instrumentalização das pessoas –, a negação do direito, a falta de respeito pelas regras comunitárias, o enriquecimento ilegal, a justificação do poder pela força ou com o pretexto arbitrário da «razão de Estado», a tendência a perpetuar-se no poder, a xenofobia e o racismo, a recusa a cuidar da Terra, a exploração ilimitada dos recursos naturais em razão do lucro imediato, o desprezo daqueles que foram forçados ao exílio”.

Estes pontos que propomos à vossa meditação e reflexão não são, necessariamente, uma novidade. É nossa intenção apenas uma chamada atenção para que todos, herdeiros do Padre Dehon, possamos estar atentos aos problemas que a política enfrenta e o que cada um de nós, Religiosos, pode auxiliar os que vamos encontrando a tomar uma atitude face à política verdadeiramente evangélica.

Terminamos com as Bem-Aventuranças do político, da autoria do Cardeal vietnamita Francisco Xavier Nguyen Van Thuan:

Bem-aventurado o político que tem uma alta noção e uma profunda consciência do seu papel.
Bem-aventurado o político de cuja pessoa irradia a credibilidade.
Bem-aventurado o político que trabalha para o bem comum e não para os próprios interesses.
Bem-aventurado o político que permanece fielmente coerente.
Bem-aventurado o político que realiza a unidade.
Bem-aventurado o político que está comprometido na realização duma mudança radical.
Bem-aventurado o político que sabe escutar.
Bem-aventurado o político que não tem medo.

Os membros da Comissão Provincial
para a Justiça e Paz e Integridade da Criação

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